Rodrigo, conheci durante uma prova de desenho, no curso de Engenharia.
Sala com cem alunos. Tipo auditório. Bancadas contínuas. Cadeiras com assento basculante, em madeira escura, como os cinemas antigos.
Loiro, sorriso espremido pela timidez em exibir o aparelho ortodôntico.
tentava elaborar a perspectiva de uma peça mecânica, sem conseguir diferenciar, nos dois esquadros, os ângulos de 30, 45 e 60 graus.
Inutilmente, procurei avisá-lo que estava usando o aparelho errado. Não tirou uma boa nota, é verdade.
Nos aproximamos, ao descobrirmos ser da mesma cidade.
Morava sozinho, em uma apartamento de três quartos na Rua Senador Vergueiro, próximo do Cinema Estação Paissandu, no Flamengo.
Obsessivo por sua aparência, descobriu que a genética familiar estava lhe presenteando com belíssima careca. Por conta disso, testava toda a sorte de xampús e produtos para reforço do telhado.
Sua mãe e tia eram renomadas professoras de literatura e ele, como bom herdeiro, gostava de ler e escrever.
Inteligente, criativo, humor cáustico. Daria um bom arquiteto, se soubesse desenhar. Ao menos, a diferença entre os ângulos dos esquadros ...
Me apresentou ao Chun-I. Juntos, passamos o primeiro Reveillon no Rio de Janeiro.
Jogávamos boliche em São Conrado, numa pista semi-automática - um cara ficava empoleirado sobre os pinos e descia pra arrumá-los, depois que a bola passava.
Às vezes, a diversão era ver quem acertava as canelas de tal funcionário.
Aprendemos juntos a gostar de filmes alternativos. Peter Greenaway, Jim Jarmusch, Zhang Yimou ...
Deixei de admirar os Rambos da vida.
Aprendi, também, os caminhos da literatura. E do rock. Conheci Alan Poe, Robert de Musil, Borges, The Smiths, The Police e The Cure.
E, mais tarde, Jean Michel Jarre, que não fez minha cabeça, com seus acordes de teclado repetitivos.
Talvez, através de uma de suas inúmeras e rápidas paixões. Talvez a Emília, não sei.
Certa vez, havia tomado um " pé " e me ligou convidando para ir ao cinema, para espairecer.
Escolhemos um filme europeu, que passava em cinema do São Conrado Fashion Mall, o qual nunca havíamos conhecido. Dezoito horas. Meio da semana. Nada melhor para esquecer uma dor-de-cotovelo ( ? ).
Só esquecemos do engarrafamento, típico do horário. Praia de Botafogo. Aparentemente todos os carros do Rio de Janeiro queriam fazer o mesmo percurso.
Logo de cara, um carro com duas garotas parou ao nosso lado: Sorriso e aceno desconfiado pra lá. Sorriso e aceno sem graça pra cá.
O importante é que havia dado certo. No meio do caos de trânsito, companhia para uma noite pouco promissora ...
- Beleza, mandou bem!
Ele olhando fixo, meio triste, para o pára-brisas:
- Conheço, é minha ex-namorada ...
Não havia tido tempo para conhecê-la, bem verdade. Mas não seria possível. Quais as chances, na cidade do Rio, meio do engarrafamento infernal. Tantos carros podiam parar ali, ao lado. Justo este?
- Tá brincando, que ex-namorada?
- Aquela, que tô tentando esquecer. Pela qual saímos hoje ...
E ficou aquela situação constrangedora. Carro passando na frente. Outro encostando do lado ...
Uns quinze eternos minutos depois, nos livramos, pelo caminho mais bonito - Avenida Niemeyer. Marzão ali pertinho ...
Enfim chegamos. Baixo astral ameaçando nosso programa. Ele, totalmente silencioso. Pouco antes das luzes apagarem.
Uns dez minutos depois, já no escuro, duas meninas entraram, falando alto.
- Que saco! Não bastasse chegar atrasadas, precisam atrapalhar quem vê o filme?
Ele, ainda mais triste:
- Não é possível, são elas ...
- Não é possível, eu que digo. Sua paranóia não está além dos limites?
Quais as chances delas escolherem o mesmo filme, horário, cinema, no meio de uns oitenta?
Fomos seguidos? Ela queria se deliciar com a tristeza do meu amigo?
Nunca soubemos. Mas eram, mesmo, elas.
Terminou a seção e, como a entrada era por trás e saída pela frente, teríamos que passar por elas que, por chegarem atrasadas esperariam pelo início da próxima sessão.
Esperamos, então, abaixados, pelo apagar das luzes, para podermos sair de tal situação incômoda. O que não se faz por um amigo ...
Fomos, depois, a um bar, bem longe dali. Coincidências demais por uma noite.
Ele não parava de se lamentar. Eu, não fui muito boa companhia. Não conseguia parar de rir ...
Era sonâmbulo. Levantou, um dia, achando que estávamos atrasados pro show do Sting, no Maracanã. Ligou pro Chun-I, às cinco da manhã, perguntando pelos ingressos.
Este, achando se tratar de mais uma brincadeira, xingou até sua quinta geração.
Fomos todos ao show, umas duas semanas antes ...
Tomamos uns bons porres juntos. Em um deles, pleno meio de semana, secamos uma garrafa de Wiborowa, vodka polonesa que levava de Manaus, quando vinha de férias. Acordei com meu copo dentro do sapato.
Ainda assim, no outro dia, nos arrastamos até a faculdade.
Em outra vez, ao chegarmos em meu apartamento, umas duas da manhã, resolvi que faria minha primeira lazagna. Todos famintos. Eu, Chun-I e Rodrigo.
Já tinha comprado os ingredientes. Todos de primeira. E a receita, havia pedido a uma velhinha na fila do supermercado, Sábado à noite. Nossa estratégia para não passar fome. Eram muito solícitas. Explicavam tudo muito pacientemente. E no horário que tínhamos livre.
Camada de massa, presunto defumado, queijos, molho, até o topo do refratário. Papel alumínio envolvendo. Forno pré-aquecido por ... não sei quantos minutos!
Havia esquecido de perguntar. Mas não devia ser problema! Era só espetar o garfo. Quando estivesse mole, tava pronta!
Uma, duas, três espetadas. Uma, duas, três da manhã! E não ficava pronta. Algum defeito na massa!
Como a fome já estava insuportável, foi desse jeito mesmo. " Meio " dura. Rodrigo até repetiu!
Na segunda vez que fiz lazagna, fui ler o " manual de instruções" do pacote. Logo no início, dizia: " Cozer a massa em água abundante ... "
Como assim, cozer a massa? ...
Formou em Engenharia de Produção, seis meses antes de mim. Eu, fui pra Arquitetura. Me aperfeiçoei nas massas, desde então. Ele, dá aulas na mesma faculdade que eu.
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