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quinta-feira, 27 de maio de 2010

E POR FALAR EM AMIGOS - PARTE II

Rodrigo, conheci durante uma prova de desenho, no curso de Engenharia.
Sala com cem alunos. Tipo auditório. Bancadas contínuas. Cadeiras com assento basculante, em madeira escura, como os cinemas antigos.
Loiro, sorriso espremido pela timidez em exibir o aparelho ortodôntico.
tentava elaborar a perspectiva de uma peça mecânica, sem conseguir diferenciar, nos dois esquadros, os ângulos de 30, 45 e 60 graus.
Inutilmente, procurei avisá-lo que estava usando o aparelho errado. Não tirou uma boa nota, é verdade.
Nos aproximamos, ao descobrirmos ser da mesma cidade.
Morava sozinho, em uma apartamento de três quartos na Rua Senador Vergueiro, próximo do Cinema Estação Paissandu, no Flamengo.
Obsessivo por sua aparência, descobriu que a genética familiar estava lhe presenteando com belíssima careca. Por conta disso, testava toda a sorte de xampús e produtos para reforço do telhado.
Sua mãe e tia eram renomadas professoras de literatura e ele, como bom herdeiro, gostava de ler e escrever.
Inteligente, criativo, humor cáustico. Daria um bom arquiteto, se soubesse desenhar. Ao menos, a diferença entre os ângulos dos esquadros ...
Me apresentou ao Chun-I. Juntos, passamos o primeiro Reveillon no Rio de Janeiro.
Jogávamos boliche em São Conrado, numa pista semi-automática - um cara ficava empoleirado sobre os pinos e descia pra arrumá-los, depois que a bola passava.
Às vezes, a diversão era ver quem acertava as canelas de tal funcionário.
Aprendemos juntos a gostar de filmes alternativos. Peter Greenaway, Jim Jarmusch, Zhang Yimou ...
Deixei de admirar os Rambos da vida.
Aprendi, também, os caminhos da literatura. E do rock. Conheci Alan Poe, Robert de Musil, Borges, The Smiths, The Police e The Cure.
E, mais tarde, Jean Michel Jarre, que não fez minha cabeça, com seus acordes de teclado repetitivos.
Talvez, através de uma de suas inúmeras e rápidas paixões. Talvez a Emília, não sei.
Certa vez, havia tomado um " pé " e me ligou convidando para ir ao cinema, para espairecer.
Escolhemos um filme europeu, que passava em cinema do São Conrado Fashion Mall, o qual nunca havíamos conhecido. Dezoito horas. Meio da semana. Nada melhor para esquecer uma dor-de-cotovelo ( ? ).
Só esquecemos do engarrafamento, típico do horário. Praia de Botafogo. Aparentemente todos os carros do Rio de Janeiro queriam fazer o mesmo percurso.
Logo de cara, um carro com duas garotas parou ao nosso lado: Sorriso e aceno desconfiado pra lá. Sorriso e aceno sem graça pra cá.
O importante é que havia dado certo. No meio do caos de trânsito, companhia para uma noite pouco promissora ...
- Beleza, mandou bem!
Ele olhando fixo, meio triste, para o pára-brisas:
- Conheço, é minha ex-namorada ...
Não havia tido tempo para conhecê-la, bem verdade. Mas não seria possível. Quais as chances, na cidade do Rio, meio do engarrafamento infernal. Tantos carros podiam parar ali, ao lado. Justo este?
- Tá brincando, que ex-namorada?
- Aquela, que tô tentando esquecer. Pela qual saímos hoje ...
E ficou aquela situação constrangedora. Carro passando na frente. Outro encostando do lado ...
Uns quinze eternos minutos depois, nos livramos, pelo caminho mais bonito - Avenida Niemeyer. Marzão ali pertinho ...
Enfim chegamos. Baixo astral ameaçando nosso programa. Ele, totalmente silencioso. Pouco antes das luzes apagarem.
Uns dez minutos depois, já no escuro, duas meninas entraram, falando alto.
- Que saco! Não bastasse chegar atrasadas, precisam atrapalhar quem vê o filme?
Ele, ainda mais triste:
- Não é possível, são elas ...
- Não é possível, eu que digo. Sua paranóia não está além dos limites?
Quais as chances delas escolherem o mesmo filme, horário, cinema, no meio de uns oitenta?
Fomos seguidos? Ela queria se deliciar com a tristeza do meu amigo?
Nunca soubemos. Mas eram, mesmo, elas.
Terminou a seção e, como a entrada era por trás e saída pela frente, teríamos que passar por elas que, por chegarem atrasadas esperariam pelo início da próxima sessão.
Esperamos, então, abaixados, pelo apagar das luzes, para podermos sair de tal situação incômoda. O que não se faz por um amigo ...
Fomos, depois, a um bar, bem longe dali. Coincidências demais por uma noite.
Ele não parava de se lamentar. Eu, não fui muito boa companhia. Não conseguia parar de rir ...
Era sonâmbulo. Levantou, um dia, achando que estávamos atrasados pro show do Sting, no Maracanã. Ligou pro Chun-I, às cinco da manhã, perguntando pelos ingressos.
Este, achando se tratar de mais uma brincadeira, xingou até sua quinta geração.
Fomos todos ao show, umas duas semanas antes ...
Tomamos uns bons porres juntos. Em um deles, pleno meio de semana, secamos uma garrafa de Wiborowa, vodka polonesa que levava de Manaus, quando vinha de férias. Acordei com meu copo dentro do sapato.
Ainda assim, no outro dia, nos arrastamos até a faculdade.
Em outra vez, ao chegarmos em meu apartamento, umas duas da manhã, resolvi que faria minha primeira lazagna. Todos famintos. Eu, Chun-I e Rodrigo.
Já tinha comprado os ingredientes. Todos de primeira. E a receita, havia pedido a uma velhinha na fila do supermercado, Sábado à noite. Nossa estratégia para não passar fome. Eram muito solícitas. Explicavam tudo muito pacientemente. E no horário que tínhamos livre.
Camada de massa, presunto defumado, queijos, molho, até o topo do refratário. Papel alumínio envolvendo. Forno pré-aquecido por ... não sei quantos minutos!
Havia esquecido de perguntar. Mas não devia ser problema! Era só espetar o garfo. Quando estivesse mole, tava pronta!
Uma, duas, três espetadas. Uma, duas, três da manhã! E não ficava pronta. Algum defeito na massa!
Como a fome já estava insuportável, foi desse jeito mesmo. " Meio " dura. Rodrigo até repetiu!
Na segunda vez que fiz lazagna, fui ler o " manual de instruções" do pacote. Logo no início, dizia: " Cozer a massa em água abundante ... "
Como assim, cozer a massa? ...
Formou em Engenharia de Produção, seis meses antes de mim. Eu, fui pra Arquitetura. Me aperfeiçoei nas massas, desde então. Ele, dá aulas na mesma faculdade que eu.

E POR FALAR EM AMIGOS - PARTE I


Bem, uns dois anos antes de terminarmos a faculdade, Chun-I chamou a gente pra uma festa em Santa Teresa. Não pudemos ir, pois estávamos em época de provas. Ele foi só. Na volta, sofreu um acidente. Fraturou umas vértebras e ficou paraplégico. Os primeiros tempos foram duros. Havíamos feito amizade na engenharia. 
Quase sempre dormíamos em sua casa, em Copacabana. Até deixavam os colchões no corredor. Dormíamos até o meio dia.
Ele tinha três irmãs, que ficavam empilhadas no menor quarto do apartamento. Ele, como único filho homem de família chinesa, no maior. Maior até que o dos pais.
Chamava uma delas e mandava descer pra comprar comida pra gente. Com o dinheiro delas. Ficávamos com vergonha. Pelo menos, que aceitassem o reembolso, mas ele ficava com tudo tudo.
Como a família toda só falava chinês entre si, pensávamos que não soubessem falar português. Ao menos a mãe. Isso fez com que nos sentíssemos à vontade pra falar certas barbaridades com a certeza de  não sermos compreendidos. Algum tempo depois, com toda a sua calma oriental, ele nos disse que sua mãe falava português. E muito bem.
Outro problema que tivemos, foi com a irmã mais nova, de quinze anos, Chaun Men. Ou coisa parecida. Não sei como se escreve, mas pela sonoridade, passamos a chamá-la assim, também. 
De novo, em situação difícil: " O nome dela não é Chaun Men. Ela nasceu no Brasil e se chama Liliane ". 
Ora, há anos frequentávamos a casa e nunca a ouvimos ser chamada de Liliane. 
" Chaun Men é apelido! Quer dizer Neném que faz cocô fedido! ". Tão bonita a menina e a gente chamando ela desse jeito!
Abrir a geladeira era uma experiência sensorial. Uma mistura de cheiros. Um monte de coisas que nem sabíamos direito o que era. Era difícil até mesmo beber água. Na sala, um altar para Buda, entidade feminina, cheia de oferendas já passando um tanto do prazo de validade. È, eu também não sabia que o Buda chinês era mulher. 
Às vezes tinha um varal de peixe secando. No meio da sala! Dois cabos de vassoura, uma corda de nylon e alguns pregadores de roupa. Sempre nos ofereciam peixe pra comer. Nunca conseguimos aceitar.
Um dia, chegando da farra, havia um colchão de casal e um de solteiro. A cama da mãe dele tinha quebrado e ela pegou um dos nossos, sem autorização. No par ou ímpar, perdi pro Rodrigo e fui dormir no colchão de casal, bem mais espaçoso.
Não tinha sido um mau negócio, até ela abrir a porta do quarto e me pegar espalhado na cama dela. Até acho que ela não se importou. Eu, quase me enfiei debaixo da mesa do computador.
Wu Chun-I ( família, na frente ) era hacker. Vendia programas piratas pela internet. Ficávamos horas nos chats pré internet, falando com um monte de gente desconhecida. 
Quarto cheio de parafernália tecnológica, no meio daquela tradição oriental. Uma guitarra, que nunca tocou.
Parecia o Garfield. Meio gordinho, preguiçoso. Das melhores almas que conheci. 
Nunca tinha visto ele triste, de cara fechada. Até o dia em que fomos visitá-lo no hospital. Lá, eu vi o médico falar pra mãe dele que podia alugar uma cama de hospital. Mas a cadeira de rodas, era melhor comprar ... Aquele filho da puta!
Nos primeiros dias, ficávamos falando sozinhos. Ás vezes, só pela companhia. Ele não dizia nada, imerso nos seus pensamentos. Até que foi melhorando e voltando a sorrir.
Certo dia, estava com outro amigo que eu não conhecia no quarto dele. Seus pais iam pedir comida japonesa e nos ofereceram. Nunca tinha provado. Aceitamos sem pensar duas vezes. 
Meio desconfiado, comecei pelos empanados. De frango e camarão. Paladares conhecidos. Fui passando pro sushi e sashimi. Comi, mas não gostei. Sem sabor. Preferia a comida chinesa, com seus molhos gordurosos e cores exuberantes.
O outro cara foi mais curioso. Tinha, no canto do prato, uma espécie de areia, de cor meio esverdeada. Ele pegou um tanto com a ponta dos dedos e jogou na boca. Imediatamente os olhos se encheram de lágrimas e ele saiu correndo pro banheiro. Voltou reclamando. 
Chun-I deitado na cama, levantou a cabeça, deu uma olhada e voltou a deitar: " Isso que você comeu é raiz forte. Se mistura um pouquinho no shoyo e mergulha o sushi ". Pimenta concentrada! " Ah, e o matinho que você comeu, era só enfeite... ".
Ficou de bem com a vida. Tanto que comeu a enfermeira que o acompanhava e teve um filho com ela. Não me pergunte como. Eu mesmo não tive coragem. 
Passamos nosso primeiro Reveillon no Rio, no restaurante da família dele. Avenida Atlântica, Praia de Copacabana, esquina com Princesa Isabel. Do outro lado, o Hotel Meridien. 
Queria lugar melhor? Os fogos chovendo sobre nossas cabeças. De vez em quando, caía um sem estourar no meio da multidão e saía todo mundo correndo. 
A gente com garrafa de espumante na mão, ou cidra. Terminei a noite tomando banho de cuecas no meio de um milhão de pessoas. Até hoje, não sei como tive coragem.
Max era o ser mais inteligente que conheci. Ao menos, ele pensava assim.
Discorria sobre todos os assuntos imagináveis, na maior cara-de-pau. Era tão seguro do que falava, que não ousávamos sequer questioná-lo.
A namorada dele era a mais bonita. Tinha o melhor emprego. Gostava das melhores bandas. E fizera a melhor faculdade. Max, the best.
Estudou informática na PUC. Trabalhava na IBM. Namorava a Eugénia. Portuguesa, com acento agudo no " e ". Varávamos noites jogando gamão e bebendo whisky. Às vezes, rodadas de poker. Havia conquistado o emprego de seus sonhos, analista de sistemas da IBM. Trabalhava de terno preto.
Adquiriu certo respeito por mim. Nunca se fez de superior. Me tratava de igual pra igual. 
Ele colocava em discussão a maneira certa de se equilibrar no metrô ou como deveria fazer pra picar uma cebola e obter a menor quantidade de cortes. Vidas solitárias.
Com o passar do tempo, tornou-se mais humano. Deixou de ser superior a todos. Víamos juntos as lutas de boxe do Tyson, em pleno auge. 
Uma vez, fui até o apartamento dele. Metade do prédio sem energia. A metade onde estavam os elevadores, claro. Doze andares, no escuro. Cheguei a tempo de ver o início. Não vi o final, pois fui na cozinha pegar uma cerveja. Quando voltei, mais um nocaute.
Apaixonou-se pela sua chefa na empresa. Mulher separada, uns dez anos mais velha. Nunca iria olhar pra ele. Ao menos, o que pensávamos. Até que conseguiu. Mulher e emprego que desejava. Estava feliz. 
Um dia, me chamou pra sair e comer alguma coisa. Fomos a uma boate da moda na Barra da Tijuca. Ficamos bebendo e olhando a luta de boxe no telão. Estranhamente triste, apesar de tudo. Na volta, paramos no pizza hut. Depois, ele me deixou em casa.
Éramos todos tão amigos, que sempre sabíamos do paradeiro um do outro. Morávamos perto. Flamengo e Catete. Até o Chun-I já tinha se mudado pra lá. O único que morava com a família. No outro final de semana, eenchemos a secretária eletrônica com mensagens não retornadas. Descobrimos que havia ido pra Manaus. Tirou férias e viajou. Sem se despedir. Sem falar nada.
Não íamos na esquina sem que os outros soubessem. Veio pra Manaus e contraiu meningite. Quando soubemos, já havia sido sepultado. Doença daquelas sem velório. Pertences queimados. Parentes em quarentena. Vinte e cinco anos de idade . Dizia que iria morrer cedo. Do coração. 
Acertou, pelo menos, em parte.

DO MESMO POETA GALÊS ...

Eu era um solitário andarilho noturno e um viciado em esquinas. Apreciava caminhar pela cidade úmida depois da meia-noite, quando as ruas estão desertas e as luzes apagadas nas janelas. Sozinho e atento nos trilhos luzentes da high street morta e vazia ao luar, gigantescamente triste, na rua molhada perto da fantasmal capela Ebenzer. E jamais me senti tanto uma parte intrínseca do remoto e onipresente mundo, ou mais cheio de amor, arrogância, piedade e humildade, não somente por mim mas pela terra viva, na qual eu sofria.


O MELHOR DO MAU HUMOR

Não posso acreditar num Deus que quer ser louvado o tempo todo.
Nietzsche ( filósofo alemão 1844 - 1900 )
Um homem bem educado, é aquele que nunca fere os sentimentos dos outros - sem querer.
Oscar Wilde ( escritor inglês 1856 - 1900 )
É fácil ser gentil com as pessoas  a quem não damos a mínima importância.
Oscar Wilde ( escritor inglês 1856 - 1900 )
O amor é quando começamos por enganar a nós mesmos e terminamos por enganar a outra pessoa.
Oscar Wilde ( escritor inglês 1856 - 1900 )
Deve-se escolher os amigos pela beleza, os conhecidos pelo caráter e os inimigos pela inteligência.
Oscar Wilde ( escritor inglês 1856 - 1900 )
O amor é insanidade passageira, curada pelo casamento.
Ambrose Bierce ( escritor americano 1842 - 1914 )
Um excesso de vez em quando é ótimo. Impede a moderação de se tornar um hábito.
Somerset Maugham ( escritor inglês 1874 -1965 )
O fanatismo consiste em redobrar os esforços quando se esquece os objetivos.
George Santayana ( escritor americano 1863 - 1952 )
É possível amar um ser humano, desde que você não o conheça muito bem.
Sócrates ( filósofo grego 470 - 339 a.c. )
Se o homem tivesse criado o homem, teria vergonha de sua obra.
Mark Twain ( escritor americano 1835 - 1910 )
O poder corrompe. O poder aboluto corrompe absolutamente.
Lord Acton ( historiador inglês  1834 - 1902 )
O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico mora nele. O psiquiatra, cobra o aluguel.
Stephen Leacock ( economista canadense 1869 - 1944 )
De quanto mais um homem se envergonha, mais respeitável ele se torna.
Bernard Shaw ( escritor irlandês 1856 - 1950 )
Todas as religiões são fundadas sobre o temor de muitos e esperteza de poucos.
Stendhal ( escritor francês 1783-1842 )
O silêncio é a mais perfeita expressão do desprezo.
Bernard Shaw ( escritor irlandês 1856 - 1950 )
O sentido da vida é que ela acaba.
Kafka ( escritor theco 1883 - 1924 )
A virtude não passa de tentação insuficiente.
Bernard Shaw ( escritor irlandês 1856 - 1950 )

Interessante coletânea sobre o assunto, editada há mais de quinze anos ...

DYLAN THOMAS, poeta galês

Queimado pelo bestial remorso
Do malogro da força desejada,
Mais a luxúria por minha morta amada.

Agora poderia eu levantar
Dela o corpo morto e negro,
Apenas meu,
E ouvir-lhe o alegre ranger dos ossos
E nos olhos ver-lhe a fatal chama

Agora poderia eu despertar
Para a póstuma paixão e provar
A ruptura do ódio, os despojos romper
Do corpo, quebrar-lhe o morto,
O negro corpo, quebrar.

Um dos tantos atormentados que gosto. Em sua homenagem, o nome de um certo cantor folk, Bob ...

EPITÁFIO


Pequena alma, alma terna e inconstante, companheira do meu corpo, de que foste hóspede, vais descer àqueles lugares pálidos, duros e nus, onde deverás renunciar aos jogos de outrora. Por um momento ainda contemplemos juntos os lugares familiares, os objetos que certamente nunca mais veremos ...
Esforcemo-nos por entrar na morte com os olhos abertos ...

Trecho de um livro de Marguerite Yourcenar. Não lembro qual, mas gostaria que estivesse escrito em minha lápide ...

ANTES QUE DESPENQUEM

Antes que despenquem as estrelas imensas.
Pedras mudas,
Montes mudos de luz.

Antes que arfem antes que,
Antes que arfem.
E cuspam até o último sangue.

Antes que caiam, antes que
Antes que caiam.
Em farpas de fogo polar.

Antes que afoguem, antes que
Antes que afoguem
Num último engulho de luz podre.

Me deixa dizer.

Harold Pinter - Dramaturgo inglês

SILÊNCIO


E vem sorrateira
A luz da lua,
Deita sobre o fone
A me fazer companhia
Em mais uma noite insone.

E vem à minha lembrança
As horas que passamos juntos
Enquanto a meu lado tenho
A megera que não se vai
E que toda a noite fica
A me lembrar o inferno de Dante.

E esqueço mais e mais
teu perfume.
E tua imagem esfumaçada
Some como nuvens
No silêncio da noite.


Rio, 06/04/91 - 3:00 a.m.

Tinha tremenda frustração de não saber escrever. Invejava um amigo da faculdade, Rodrigo, um cara muito criativo, que escrevia estórias malucas. Um dia, enquanto caminhava para casa, pelo caminho mais bonito e mais perigoso, a Praia do Flamengo, meu primeiro poema foi se formando. Tinha tomado uns chopps e acabado de ver um filme que mudou minha vida: " Bagdad Cafe ". Cheguei em casa procurando  caneta e papel, antes que esquecesse. Claro que havia, também, uma musa, mas ela nunca ficou sabendo ...

MAS NÃO TE DESESPERES

Sem mais intermináveis horas
De conselhos inúteis.
Ou o velho hábito de controlar meus horários.
Muito queria que estivesses longe.
Muito desejei não ouvir sua voz,
Simplesmente pronunciando
Meu nome.
Se me alimento bem?
Sinto, mas isso
Só me diz respeito.
Agora,  sua casa
não é mais minha.
Apesar disso,
Como poderia imaginar
Que seriam tão dolorosas
Essas gotas de água salgada?
E de quanta abundância,
Que faria rios transbordarem?
Com que arrogância
Julguei que só o silêncio fosse
Nosso companheiro.
Você, que nada tinha
A ensinar a si mesma!
Agora estou em companhia
De quem queria,
Mas era você
Quem tinha a razão.

Rio, 17/05/91 - 9:00 p.m.

O TEMPO

Pudesse o tempo tornar,
Seríamos novamente amigos.
Nos mesmos velhos bares,
As boas e antigas risadas.

Pudesse o tempo tornar,
Teria você no colo,
Sentiria o perfume de criança.
Choraria minha última lágrima.

Pudesse o tempo tornar,
Seríamos novamente amantes.
Haveria carinho,
Em vez de amargura e rispidez.

Pudesse o tempo tornar,
Seria novamente livre.
Correria pelo asfalto trás da esfera,
Sob torrente da cidade tropical.

Pudesse o tempo tornar,
Teria novamente inocência.
Seriam como ídolos de pedra,
Dignos de adoração.

Pudesse o tempo tornar,
Seria novamente célula.
Perderia a corrida,
Essa vez.

Período da faculdade conturbado. Muitos conflitos pessoais. Aprendendo a pessoa que seria mais tarde. Cada estrofe é dedicada a um determinado período. De maneira regressiva.
Aos amigos daquele tempo, cuja presença estava perdendo: Um havia sofrido grave acidente e ficado paraplégico, outro morrido de meningite, durante férias inexplicáveis em Manaus e outro concluido a faculdade e voltado para casa ...
À minha primeira filha, de quem estava separado há quatro anos.
À mãe dela, que hoje é minha mulher, em um período não muito bom.
Aos amigos de infância.
A meus pais.




PESADELO


Fantasmas de mulheres
Levadas como folhas
Pela brisa de outono.
Invadem meu sono
intranqüilo, descontínuo,
Já não bastasse a
Claustrofóbica falta de ar.
Impressões de memórias
Antes consideradas mortas,
Mas ainda reverberantes.
Procurando reparar
Faltas do passado sem retorno.
Faces que se revelam desconhecidas.
Bocas articulando palavras
Impossíveis de serem ouvidas,
Passíveis, porém, de entendimento.
Clímax de sexo interrompido,
Revelando toda a falta de decisões,
Através dos anos.
Repetindo angustiantes
Cenas de  pretérito.


Transcrição quase literal de um " sonho ", com uma antiga paixão de colégio ...

MADRUGADA


Cantam torpes boêmios
Carro passa, carro passa ...
Antenas como paliteiro,
Palmeiras como prédios.

Sozinha a estátua,
Em meio ao chafariz estéril.
Carro passa, carro passa ...

E enquanto brilham
Poucas estrelas,
Estilhaçam-se copos,
Na comemoração do nada.

Único olho aberto,
Prédios como palmeiras.
Carro passa, carro passa ...
Ah! Olhe todas essas pessoas solitárias.

De onde poderiam vir ?

Rio, 10/ 04/ 91 1:30 a.m.

UPGRADE

 
Após dois anos, aos quarenta, uso um notebook. Difícil, é digitar um texto com os polegares levantados, pra não tocar no TOUCH PAD. Quase devolvi à loja. Pensei que era problema da versão do WINDOWS. Ou defeito do equipamento: Começava a digitar um texto. Sem querer, encostava o dedo e o texto ia parar em outro lugar. O  playstation III está custando R$ 1.500, 00. Nada de disquetes, ou cd's. Usamos mesmo, depois das pen drives, que tenho umas três ou quatro, os HD's externos. O AUTOCAD já está na versão 2009, onze versões depois do AUTOCAD 11. A rede, é WIRELESS. Sem fio. Capto o sinal de algum vizinho. Como dizia uma antiga namorada, Solange: " de grátis ". Há mais de quinze anos, não faço um projeto " no braço ". Nunca mais recebi cartas, ou telegramas. No orkut, comecei a reencontrar minha família. O MYSPACE tá meio abandonado. Não tenho gerenciado muito bem. Mas tenho dois amigos famosos ( os únicos ): Amy Winehouse ( não seria melhor: Amy Jack Daniels'house ? ) e Coldplay.  Fiz MSN. Me rendi. Pra uma amiga que mora nos EUA e não gosta do SKYPE. Interfere na ligação que ela faz, via computador, pro telefone convencional. Liga na casa de minha mãe, pois não tenho fixo. Só celulares. Faltando, só a Laura, de 8 anos, depois de amanhã. Ontem, tentamos nos falar e ver. Cheguei em casa às 22:00 h. Tinha baixado o programa. Apenas 3 MB. Deixei pra instalar de noite. Nos conectamos via e-mail. É que a porcaria baixa um instalador de 3 MB e você se anima todo, achando que não demora. Aí, o instalador baixa os outros zentos GB e leva duas horas .... Fomos trocando mensagens, umas quarenta, enquanto instalava. Já tinha instalado o assistente de conexão e 99% do messenger. Faltava o assistente de proteção. Ainda bem que não escolhi mais assistentes. Se não, acabaria tendo um ministério ... E ele ainda diz pra me sentir à vontade para realizar outras tarefas ...
Hehehehe ...
- Cara, deve ter algum problema na instalação. Não sai do lugar ( 22:51 h ).
- Tá bão... to esperando!!!
- Fiz um hotmail. Tem bate papo instantâneo ?
- Não sei o meu hotmail... ou melhor, esqueci a senha... buaaaaaaaaaa'!
- Que dupla somos nós, hein ? Tô fazendo um yahoo. Outro. As outras duas ou três contas que tenho, também não lembro a senha ... Será que eles não podem colocar aqueles códigos de autenticação um pouco menos tremidos ? Nunca consigo saber o que está escrito ...
- Véio caduca!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- Me bateu inspiração. Escreverei uma estória sobre dois amigos tentando se comunicar. Um tem ig e gmail. O outro, yahoo e hotmail. O primeiro tem skype. O segundo não gosta dele. Mas tem msn, que o primeiro não consegue instalar. Cara, como conseguimos nos reencontrar, depois de quinze anos ?
- Legal... saiu uma poesia!!
- Já é o terceiro código errado que eu digito. Será que tem limite ? " Sinto muito, seu cartão está cancelado ... "
- Você não vai acreditar, mas criei a conta do yahoo e o msn acabou de instalar, tudo ao mesmo tempo... Qual é mesmo a senha ? Seu msn está off-line ! Aaaaaaaaallllllllllllllllllôôôôôôôôôôô !!!!!!!!!!!!!! Snif ! Você ainda está aí ?
- Essa e' a tua conta do yahoo?
- Tô isperandu! Ok!
Ana, começando: - Finarmente !!!! Estás ai ? ( 23: 37 h )
- Êêêê ...
- Eu desconectei meu micro e video... :-B
- Porquê ?
- Tu tens microfone?
- Tenho. E WEBCAM ...
- Ja' estava para ir dormir... conecta tua camera! e fala!
- Como liga?
- Tu estás no hotmail ou yahoo???
- Hotmail, yahoo, gmail, msn, tá tudo aberto ( pra não ter problemas ) ... e google earth ...
- He he he... em qual janela minha mensagem esta' chegando?
- Bem ...
- Bem????????????????????????????????//
- ... Explica melhor. Só vejo sua conversa no msn ...
- Qual msn? do hotmail ou yahoo?
- Ué, pensei que só tivesse do hotmail. Mas vejo o símbolo do yahoo, embaixo do bonequinho que deveria ser sua foto ...
- Não... por isso não podemos falar e ver... so' escrever... estou com o msn do yahoo... ou seja, o messenger do yahoo... podemos nos escrever de messengers diferentes mas perde-se os extras... estou no yahoo!messenger... e tu no hotmail!!!!!!!!! :-B
- Eu instalei o do hotmail. Tem do outro ?
- |-) Yahoo messenger..|-)
- Tem problema não. Daqui mais alguns anos, vamos conseguir ...
- :-B
- Ta' vendo os rostinhos que estou mandando?
- Yeah ! Onde pega o msn do yahoo ?
- No site do yahoo.... oras bolas e carambolas!!!!! |-) que horas vais trabalhar amanha?
- Tenho aulas às 8:20. Saio às 7:20 h
- :)+o(:-B:|:S|-):-:-O:$^o)
- Acredito dever entender o que as caretas querem dizer ...
- Vai dormir!!! a gente tenta amanhã... chego mais cedo... umas 5 ou 6 aqui... 8 ou 9 ai!!!!
- Linguagem do surdo burro ?
- Estava vendo o que saia!!! (6) *-) ;) ( Na verdade, o que ela estava transmitindo, eram os SMILES  )
- Esse último parece com um bonequinho que você mandou do Japão ... o diabinho ...
- (A) :P  ... Vai dormir!!!!  O diabinho do Japão? não me mostrastes!
- O, que vem com coçador de orelhas ...
- Não quero mais escrever... falamos amanhã ??
- Tudo bem, mas amanhã chego mais tarde. Tem problema ?
- Que horas?
- Chego por volta de 11:00 h.
- Problema não tem, mas espero que tenhas o msn do yahoo... pois não precisamos escrever, cansa menos falar!!!!
- Tô baixando. Amanhã, já nos falamos com ele instalado.
- Ok ! (K)
- Outro !
- Ba' noite, intonces!! (H)
- Inté ! ( 23:58 h )
A TV, ainda é uma tela plana. Quase não compro mais cd's. Baixo da Internet. Os mesmos que tenho, porque gosto. Ou aqueles que gosto e não consigo encontrar. O telefone, ainda é o mesmo. Mas tenho que mandar pra assistência: O volume tá muito baixo. Qualquer hora dessas. Comprei uma câmera, semi-proof, que vem com todos aqueles extras: zoom ótico de 12x, 10 Mpixels de resolução, supermacro. Mas, não tive tempo de aprender a usar. Tá no automático. O BLUE RAY já ganhou do HDVD, mas ainda tá muito caro.
Hoje, Ana não conectou. Amanhã, é feriado. Quem sabe conseguimos nos falar. E nos ver!

Escrito em 2008 ...

segunda-feira, 24 de maio de 2010

" DE QUE VALE O SEU CABELO LISO E AS IDÉIAS ENROLADAS DENTRO DA SUA CABEÇA ? "





Show da Ana Carolina. Esqueci a câmera, pela primeira vez. Descobri que meu novo celular não tem zoom. Portanto, sem muitas imagens. Show com uma hora e meia da atraso. Meia a mais que a duração. Protesto ! Desculpem, mas estou começando a ver o " Altas horas ", que tem um quadro ... Empolguei ...
Tirando a sensação de amostra grátis, foi muito bom ...
Me senti, pela primeira vez, minoria. Quase discriminado. A comunidade partipou em peso. Nada contra. Não fossem as duas meninas que resolveram discutir a relação, no meu pé ... do ouvido ... entre tapas e beijos ...
Ia pegar uma cerveja e, quando voltava, rolava o maior amor. Uns cinco minutos depois, umas expressões carinhosas do tipo: " Por favor, car ..., cala a boca !
Cheguei a pensar que era a minha presença. Cogitei a possibilidade de sugerir que esse assunto delicado fosse resolvido, digamos, de uma maneira menos pública. Felizmente não o fiz ...
Na saída, perdi minha mulher e minha filha.
Após o reencontro, vi uma ex-aluna, atravessando a rua. Tive a estúpida idéia de tentar pegar seu braço. Estava meio escuro e ela, de lado, sem me ver direito se esquivou. Devo cortar as unhas ...
E depois, pra explicar o que havia acontecido ?
Tão complicado quanto, certa vez, uma aluna descobriu meu endereço e tentou entregar um trabalho atrasado, em pleno Domingo.
Como não aceitei, ela começou a chorar. Como explicar porquê uma aluna estava chorando na porta do condomínio em pleno Domingo ?
Provavelmente, amanhã nos encontramos durante a prova de um concurso e tentarei me desculpar:  Vergonha em troca do Susto ...

quinta-feira, 20 de maio de 2010

MUDANÇAS DA TECNOLOGIA


Já vivi em dois milênios diferentes, dois séculos, cinco décadas e apenas trinta e oito anos. Já dá pra sentir o tempo passando. Limites da idade chegam aos poucos ou demoramos mesmo para percebê-los.
Fôlego, flexibilidade, disposição, resistência e metabolismo efetivamente não são os mesmos de antes. Segurança, inteligência, raciocínio, bom humor são bem melhores, é verdade. Há de se ter conceções e, também, compensações. Entretanto, percebe-se que neste período houve mudanças significativas na tecnologia.

Quando adolescente, fiz curso de datilografia, em máquina mecânica. Elétrica, até já existia, com corretor que voltava e suprimia os erros dos textos com uma fitinha branca. " ASDFG ". " HJKLÇ ". Uma letra para cada dedo. Em dias com muitos alunos, sobravam aquelas que pareciam dos tempos de nossos avós, as mesmas que ainda vemos em filmes antigos, em p&b. Duas cores, o preto e o vermelho, na fita que sujava as mãos quando trocadas. Letras maiúsculas e minúsculas. Bastava apertar o avô do shift. Final da linha, empurrava-se o carrosel de volta para o ponto de origem. Barra de espaço grande e centralizada, como ainda são os teclados de hoje. Ganhei uma portátil, da Brother, coisa de uns cinco quilos e que até tinha espaçamento automático.

Depois, fiz o primeiro curso de introdução à computação da cidade, linguagem BASIC, no Instituto de Métodos Estatísticos e Computacionais - nome pomposo. Se desenvolviam páginas com várias linhas de comando para se chegar a um " programa " que somava o resultado de " um mais um ". Tela verde, de fósforo. Sem imagens. Apenas códigos, letras e números. Máquinas de última geração. Vídeo integrado ao teclado. Prológica CP 500, TK 3000, da DISMAC.

Calculadora Casio " mini ", com mais ou menos uns quinze por cinco centímetros, que comprei na Moto Importadora e nem ao menos fazia raiz quadrada.
A primeira vez que vi um vídeo game foi na casa de um colega de " ginásio ", lá pela quinta série. Uma barrinha vertical " jogando tênis " com outra, separadas por uma terceira, maior. O incrível, é que reproduzia nossos movimentos na tela da TV. Eu não queria mais voltar pra casa. Depois veio o Atari com seus space invaders, rali e pac man. Hoje, o playstation III, de R$ 3.000,00, o XBOX e o WII.

Mais tarde, ao entrar na faculdade, me deparei com os avanços da linguagem FORTRAN. Mesmas muitas linhas para se chegar aos mesmos poucos resultados. Com uma diferença fundamental: Já era possível ter impresso em mãos aquilo que só víamos na tela. A Universidade tinha uma leitora de cartões, que cabia em uma sala. Estes, semelhantes aos cartões de loteria esportiva, perfurados estrategicamente, de modo a transmitir os dados. Tudo mecânico. Nada ótico ou digital.

O programa para somar " um mais um ", tinha umas quarenta linhas, que correspondiam a quarenta cartões, que deveriam ser dispostos em ordem lógica. Havia a necessidade de juntar o programa de diversos alunos para chegar ao volume passível de leitura. Não raro, tínhamos que procurar os pedaços dos programas que eram devolvidos incompletos ou tentar identificar os autores dos excedentes.
Certa vez, deixei cair no chão e tive de retornar ao computador para recompor a sequência. Mas, tudo bem. Já eram geradas listagens em impressoras matriciais de cento e oitenta colunas.
Mais um salto e a linguagem PASCAL. O primeiro curso de programa gráfico. Podia-se desenhar linhas no computador. Bem mais fácil, era desenhar na mão. Papel vegetal e poliéster, caneta nankin e borrachas de areia.
A tela ainda era verde, mas se podia armazenar os dados em disquetes de 5 1/4", pretos e flexíveis. Problema era conseguir guardar dentro do caderno, sem dobrar. O mesmo foi subtituido pelo revolucionário disquete rígido, com 3 1/2 ". Capa dura e colorido.

Faculdade da Cidade, Rio de Janeiro. Curso de Autocad. Versão 11, for DOS. Avô do windows. Necessário mesa digitalizadora. Periférico que, ligado ao computador, possibilitava clicar, através de uma caneta " ótica ", nos comandos desenhados e executar os passos que eram reproduzidos na tela. Quase como o vídeo game lá de trás.

Último estágio que fiz antes de formar. No escritório existia " rede ". Com dois computadores, conectados através de um cabo comum. Podia-se visualizar a execução de projetos em ambos. E trocar dados. Nem sempre eficiente. Vi dois arquitetos adultos à beira do choro, por terem perdido trabalho de dois dias, no momento da transferência.
Cartas, gostava de escrever e de receber. A excitação de recebê-las das mãos do carteiro, de colecionar os selos, que eram cuidadosamente retirados no vapor. Falavam de diferentes povos e culturas. De seus costumes, sua fauna, moeda e flora. O papel, era colecionável. Pela caligrafia, podia-se perceber o estado de espírito do autor. A data de postagem, no carimbo. Assim eram também os cartões de Natal. Pessoais, mesmo que impressos. Apenas com um " é o que desejo de todo coração "  manuscrito, além da assinatura. Telegramas, guardo alguns. TELEX, não cheguei a usar.

Nem lembro quando escrevi a última carta e nem pra quem foi. O e-mail, se incorporou como forma de comunicação e também não lembro quando foi o primeiro. Sei que ficávamos em " bate-papos " intermináveis com pessoas estranhas, no computador do Chun-i, não sei como, pois não havia Internet, na época.
Primeira navegação, também não sei. Sei do Orkut, que tem uns poucos meses. Deste, cheguei no myspace, onde todos podem ser escritores, escolher trilhas sonoras e mostrar o álbum de fotografias, digitais, é claro. Ainda deconfio da utilidade do second life.

Dia desses, sem querer, fiquei on line com uma amiga, em Fortaleza, com quem não falava há uns anos. Do Orkut, passamos pro bate-bapo do G-mail. E deste, acabamos nos falando no Skype, o mesmo que deverá enterrar a EMBRATEL, provavelmente a única sigla em portugês deste texto.
Sei dizer que foi emocionante falar com ela, como se tivesse usando um telefone pela primeira vez. Ainda que com sua imagem estática, já que não tinha uma web cam. Eu tinha. E pude me ver de cabeça baixa, durante hora e meia de conversa. Me recuso, terminantemente, a usar o Internetês, que transforma " não " em " naum ". " Pô " em " Pow " e desvirtua a intenção de se economizar caracteres, além de criar linguagem, às vezes, totalmente incompreensível.

Fui do tempo, quando criança, da TV TOSHIBA, preto e branco, onde se trocava o canal, através de um seletor que girava. Tive uma " digital ", com 12 canais da SHARP, a primeira colorida, com teclas sensíveis, onde se encostavam os dedos. No dia em que ela chegou, quase desisti de um final de semana com piscina.

Ganhei, depois, uma com controle remoto, possível de trocar os canais à distância, sem esticar o pé. Certa vez, um primo foi dormir na rede em frente à minha cama e, quando ele se deitava, troquei o canal, inadvertidamente, por baixo dos lençóis. Ele se levantou, pensando ter sido o " punho " da rede o responsável pela proeza. Ao perceber a situação, troquei o canal de novo, cada vez que ele tentava se deitar. Na terceira vez, não pude me conter e comecei a rir. Hoje, tenho uma tela plana e estou cogitando uma LCD, pois a de plasma já está deixando de ser produzida.

Sou da geração vinil. Comprei e tenho uns tantos Long Play's e alguns compactos. Tive um " três em um " da  PANASONIC, com rádio AM e FM, toca-discos e fita cassete dupla, onde gravava as músicas preferidas. Às vezes, ela travava ou enrolava. E, aí, tinha que desmontar para resolver o problema. Chun-i comprou os primeiros CD's que ouvi. Hoje tenho MP3, pensando em MP4.
Telefone, já não era preto. Era bege, também com disco. Daí, a expressão " discar o número ". Igual a " puxar a descarga ", que hoje também se aperta.
 

Celular, um " tijolo flip ", modelo elite, da MOTOROLA. A gente se inscrevia na companhia e uns seis meses depois era contemplado. Fiz isso umas três vezes, pois nunca tinha dinheiro no ato e passava meu direito adiante.

Sempre pensei que um telefone deveria realizar e receber chamadas, assim como a " máquina fotográfica " deveria tirar fotografias. Porque exigir de um telefone que tirasse fotos, já que a máquina não fazia chamadas? Mas acabei me rendendo. Tenho um telefone que tira fotos, tem jogos eletrônicos, faz filmes, ouve rádio FM e MP3, passa e-mail, é despertador e bloco de notas. Bem prático. Só não conversa comigo quando estou deprimido. Tudo, uma questão de tempo.

Falando nisso, quando criança, achei uma ROLLEIFLEX nas coisas de minha mãe. A mesma da música, que tinha duas lentes numa caixa retangular vertical e que, em vez de se olhar o foco para frente, se olhava para baixo. Estranha maneira. Jogo de espelhos. Até hoje, me arrependo de não tê-la guardado. Tanto quanto de não ter comprado os móveis art-déco da tia de meu pai. Verdade que, aos dez anos isso não era muito possível. E ainda não sabia que, um dia, seria arquiteto.

Depois, meus pais compraram uma OLYMPUS TRIP, a mais usada na época. A mesma que minha mãe tentou me doar recentemente. Não pude aceitar, devido à ferrugem e aos fungos. Mas, pensando bem, ela já é a ROLLEIFLEX de hoje. E amanhã mesmo vou falar com ela. Ainda tive uma YASHICA, sem redução de olhos vermelhos, mas com rebobinamento automático. Câmera digital já é um desejo, mas aguardo um consenso entre preço, zoom e megapixels. Enquanto isso, o telefone vai quebrando o galho.

Trazer cinema, que tanto gosto, para dentro de casa era um sonho quase impossível. Mérito do vídeo cassete, ou VCR. O primeiro vídeo-clube da cidade, no centro, tinha condições exorbitantes. Para a inscrição, eu devia doar para o acervo dois filmes, em VHS ou BETAMAX. A SONY perdeu a parada.
A possibilidade de rever um filme quantas vezes quisesse era tremendamente excitante. Ainda lembro do primeiro, " Eu Christiane F... ", história de uma adolescente viciada em heroína, que curtia David Bowie, na Berlim dos anos 80. Já de volta à Manaus, em um de meus primeiros empregos, meu chefe convidou a turma do escitório para uma happy hour em seu apartamento.

Fui apresentado ao vídeo disco. O famoso bolachão. Disco digital do tamanho do vinil. Lembro de não ter comido, nem bebido nada. Passei a noite em companhia da Mariah Carrey, na época em que ela cantava vestida. DVD com zoom, que lê CD, MP3, HDCD, MPEG, JPEG, com função KARAOKE, e uns tantos outros símbolos. Já se fala em HDVD e BLUE RAY.
Fato que os sons, as imagens e a comunicação mudaram drasticamente nessas poucas últimas décadas. Outro dia, li um artigo de revista semanal, impressa, que falava deste contraste, onde as gerações mais antigas diferem das mais novas pela necessidade de possuir e de pegar os discos e livros, guardar cartas e cartões. E que as mais novas os possuem apenas de maneira virtual.

Diante deste quadro, o tempo parece mesmo estar passando. Os trinta e oito anos são apenas detalhes. Dos dois milênios e séculos e cinco décadas em que vivi.

Escrito em 2006 ...

SONÍFERA ILHA


Há quase vinte e cinco anos atrás, estava para inaugurar em Manaus, num terreno localizado à Av. Djalma Batista, esquina com Av. Darcy Vargas, onde hoje é o Amazonas Shopping, uma casa de shows chamada “ Brilho “.
Foi durante certo tempo, na verdade, uma grande máquina de fazer dinheiro pois, no lugar havia apenas um grande galpão com cobertura metálica e chão de areia. Nada do que imaginaríamos como instalações para uma casa de espetáculos.
Entretanto, naqueles tempos, um show de banda ou cantor nacional aparecia por aqui, se muito, apenas uma vez por ano e, ainda assim, na distante boate do Hotel Tropical.
Ter um local que prometia shows uma vez por mês mais próximo ao centro da cidade era uma perspectiva excitante para os adolescentes da época.
Mais ou menos no mesmo período, uma tia entrou em contato com minha mãe, pois conhecidos de conhecidos, que moravam em São Paulo viriam à cidade e haviam manifestado vontade de experimentar um conhecido prato local, o qual ela sabia prepar como poucos: a tartarugada.
Naquele momento, sem grandes questionamentos preservacionistas, era muito comum oferecer este tipo de iguaria aos visitantes de outros locais do país.
Minha mãe, sem grandes problemas, se prontificou a cumprir a tarefa.
O animal era um dos grandes. Banquete para várias pessoas. Picadinho, ensopado, farofa no casco, sarapatel ...
Havia crescido vendo o abate e preparo do pobre quelônio. E, apesar de ser um ritual familiar, nunca fui muito de experimentar comidas à base de sangue e carne escura. No máximo, um picadinho com farofa.
Morava na Rua Luiz Antony, entre Leonardo Malcher e o Bairro da Matinha. Trecho de rua sem saída, onde jogávamos futebol no asfalto, tomando banhos de chuva. Era a terceira casa de uma vila familiar com quatro unidades. Em duas das quais moravam primos de minha mãe.
Lembro dela em grande alvoroço. Fazendo tudo sozinha, pois não tinha ajudantes. Apenas pelo prazer de cozinhar.
Minha rotina, neste dia, não se alterou. Escola de manhã, no Instituto de Educação, há umas poucas quadras de caminhada, atravessando a Praça da Saudade.
Após o almoço, aquela tradicional dormidinha antes dos deveres do colégio.
Porém, nesse dia, ao sair à rua, à tarde, praticamente toda a vizinhança estava me esperando do lado de fora.
Meio sem entender o que havia acontecido, o porque de tanto alvoroço.
Todos me perguntando como eram “ eles “. Se tinha tirado fotos e pedido autógrafos.
Ainda sem entender o que se passava, pedi esclarecimentos.
Alguém me disse que dois carros haviam parado na porta de casa e de lá sairam os componentes da banda de maior sucesso do rock nacional no momento: “ Os Titãs do iê-iê “, como eram chamados. E entraram.
É, as bandas tinham nomes compridos, que foram sendo abreviados pelos fãs e acabaram adotados pelas bandas: “ Kid Abelha e os Abóboras Selvagens “, virou “ Kid Abelha “. “ Os Titãs do iê-iê ”, viraram “ Os titãs “, simplesmente.
Quase entendendo o que havia acontecido, entrei rapidamente e perguntei à minha mãe se ela havia acabado de preparar o banquete.
Ela disse que sim e que os rapazes já o haviam buscado. “ Uns caras meio malucos, de óculos escuros. Uns cabeludos e outros com cabelos raspados “ ...
Ao que parece, um dos componentes, Branco Melo, se não estou errado, é filho de Almino Afonso, ex-governador de São Paulo, que é natural do Amazonas.
Eu tinha o primeiro vinil deles, aquele disquinho compacto, com uma música de cada lado. A que havia estourado era “ Sonífera Ilha “. Fenômeno das rádios e dos programas de auditório de televisão dos Sábados à tarde. Uma das músicas mais executadas do ano no Brasil.
Talvez um autógrafo no disquinho valesse hoje um bom dinheiro. O mesmo que perdi para uma amiga fã, Leila, anos mais tarde, no Rio de Janeiro. Era o que faltava para ela completar a coleção.
“ ... Sonífera ilha, descansa meus olhos, sossega minha boca, me enche de luz ... “

“ Os Titãs “ na minha casa e eu estava dormindo ...

O PILOTO QUE NASCEU E MORREU EM UM AVIÃO



 
Semana passada, houve um acidente aéreo em Manaus, com seis vítimas fatais, entre elas a Secretária Estadual de Educação, que se dirigia à cidade de Maués, interior do Estado. O piloto, Miguel VASPeano, como o país inteiro ficou sabendo, havia nascido durante um vôo da VASP, em 1957 e, por sugestão do então comandante, havia recebido esse nome.
No mês anterior, tinha feito uma viagem à mesma cidade, Maués, com alguns colegas de trabalho.
De repente, minhas preocupações do post anterior não eram assim tão sem fundamento ...

E QUEM NÃO SOUBER VOAR ?


 

Meados de Setembro do ano passado. Começando um novo trabalho, para o Exército. Iríamos fiscalizar os projetos e construção dos portos do interior, para o DNIT. 
Na reunião de apresentação do grupo aos comandantes, de Brasília e de Manaus, começaram a falar sobre o tipo de trabalho e como seria nosso deslocamento aos locais das obras: " vôo comercial, viaturas do Exército, lanchas e vôos fretados ( aviõezinhos de papel ou teco-teco, como queiram ).
Um componente, pediu a palavra e perguntou: " E quem não souber nadar ? " ...
Achei que não fosse uma boa hora pra externar minhas preocupações, também. Apenas pensei: " E quem não souber voar ? " ...